sábado, 27 de agosto de 2011

A árvore da vida - Terrence Malick

Lista dos motivos pelos quais eu amei esse filme:
- Sei que muita gente dormiu, não gostou, ficou irritado (etc.),  mas, para mim o filme "A ávore da vida" é um dos filmes mais lindos que já vi. E eu costumo gostar de filmes que ninguém gostou.
- O diretor Terrence Malick tem setenta e três anos. Um filme assim, com tamanha profundidade, só poderia ser sido feito por alguém com a maturidade e a liberdade conquistada com a velhice. Eu ainda não falei sobre isso aqui no blog, mas sou fascinada pela velhice.
-  Ao contrário do que algumas (muitas) pessoas sugerem, eu não eliminaria uma cena sequer. Adorei a sequência National Geographic. Na minha opinião, estas cenas contribuem para ampliar os sentidos das cenas mais realistas. E são lindas.
- Os atores estão ótimos, principalmente as crianças. As cenas que mostram a relação entre irmãoes estão entre as mais emocionantes do filme.
- Assim como "Melancholia" (que, aliás, tem muitas coisas em comum com este filme), "A árvore da vida" toca nas minhas memórias infantis e feridas (in)curáveis. Como nos mostra o filme, é possível acertas as contas com o passado, e estar em paz com os irmãos, mães, pais, vizinhos e amigos que vivem como fantasmas dentro de nós. Afinal, como diz a personagem da mãe, só com amor é possível ser feliz.




"A Árvore da Vida" discute religião com Brad Pitt e Sean Penn

Marco Tomazzoni, iG São Paulo | 11/08/2011

Ganhador da Palma de Ouro em Cannes, filme dirigido por Terrence Malick faz reflexão filosófica e teológica sobre a existência

Terrence Malick vive entre o céu e o inferno. Famoso por seu preciosismo e pelo zelo com que guarda sua vida particular, o cineasta e roteirista norte-americano, hoje com 67 anos, sempre retratou as duas faces em seus filmes, de "Terra de Ninguém" (73) a "Além da Linha Vermelha" (98), quando encerrou uma ausência de 20 anos do cinema indo parar entre os principais indicados ao Oscar. Nas histórias, a paz e a beleza invarialmente eram ameaçadas ou davam lugar ao conflito e à violência.
O pilar da narrativa é Jack (Sean Penn, em participação breve), um arquiteto do mundo atual que embarca numa viagem rumo à sua infância no Texas da década de 1950. A alegria e a liberdade das brincadeiras ao lado dos irmãos menores, amparadas pelo amor incondicional da mãe (Jessica Chastain), cristã, são contrastadas pela rigidez do pai (Brad Pitt), cético, que não admite desrespeito e controla a família com mão de ferro. Também perdida no passado está a morte de um irmão no exército, aos 19 anos, comunicada por um telegrama.
A trama serve de pretexto para uma reflexão filosófica e teológica muito maior, que não respeita linearidade – essas poucas linhas anteriores estão embaralhadas ao longo das quase duas horas e meia de projeção e concentradas no miolo, quando a história mais se aproxima do tradicional. Malick se libertou do roteiro em busca de um cinema livre, liberto de amarras e das convenções de Hollywood.
Preenchem o vai e vem reflexões e indagamentos dos personagens, sempre em off. São diálogos com Deus, de dúvidas infantis ("onde você mora?"), passando pela moral ("por que eu deveria ser bom, se você não é?") até a pura revolta ("Ele envia moscas às feridas que deveria curar"). A discussão é emoldurada por insistentes planos em contraluz, como que para atestar que aquela luz brilhando ao fundo comprova a presença divina.
A busca por Deus também está por trás da overdose de imagens belíssimas. A perfeição da natureza, na visão de Malick, assegura a existência de um poder maior. Ele vive numa revoada de pássaros no céu, num beijo de boa noite, num banho de mangueira no jardim, numa borboleta pousando na mão. O deslumbramento dá lugar à desconfiança nos clichês de uma cachoeira, uma vela, uma árvore mexendo com o vento, tal qual a dança da sacola plástica em "Beleza Americana". A sensação de exagero e o cansaço são inevitáveis.
Isso não impede que "Árvore da Vida" seja sério concorrente a filme mais bonito da história. A câmera do diretor de fotografia mexicano Emmanuel Lubezki (que já havia trabalhado com o cineasta em "O Novo Mundo", de 2005) desliza por salas amplas de luz perfeita, na grama, na floresta ou debaixo d'água. O ápice é a mãe flutuando no ar no lusco-fusco, num raro momento de realismo fantástico, e a casa inundada que serve de metáfora para a rotina dentro do útero.
Digna de um programa excelente da National Geographic, a sequência da evolução da vida ficou nas mãos do veterano supervisor de efeitos especiais Douglas Trumbull, que estreou no ramo com "2001 - Uma Odisséia no Espaço" (68) e havia se despedido com nada menos que "Blade Runner" (82). Ele deu um tempo na aposentadoria para ajudar Malick a mostrar o Big Bang, o movimento no espaço sideral, águas-vivas, uma divisão celular vista por dentro, vulcões e o primeiro sinal de compaixão entre dinossauros, para depois seguir os  passos de um bebê.
Tudo parte de uma parábola. "A Árvore da Vida" é claramente uma profissão de fé de Terrence Malick, que adota um tom solene, regado a ópera e citações bíblicas, para questionar as opções que o homem tem diante de si: a graça ou a perdição. O discurso, porém, se alterna entre profundidade e ingenuidade, caminhando com perigo pelo terreno superficial da auto-ajuda.
Os senões são compensados por um retrato fidelíssimo da infância e de uma família verdadeira. Jessica Chastain e Brad Pitt são poderosos e os atores mirins, um documento do conflito entre inocência, prazer e do despertar do certo e errado nas crianças. Aí Malick encontra a verdade absoluta e emociona sem restrições.
A Palma de Ouro, questionada por muita gente, se justifica pela influência que o diretor adquiriu para as novas gerações – virou um farol de cinema autoral – e pela coragem em fazer uma obra sincera, que abrirá as comportas, dizem, para outras ainda menos convencionais. Uma coisa é certa: ninguém fica imune a "Árvore da Vida".
http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/cinema/a+arvore+da+vida+discute+religiao+com+brad+pitt+e+sean+penn/n1597129004978.html

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Melancholia - Lars von Trier

Hoje fui ver Melancholia de Lars von Trier. E esta é minha lista com os motivos pelos quais este filme me tocou profundamente:
- O filme me provoca sensações e memórias de algo que não vivi, mas é tão vivo em mim.
Sonho com o fim do mundo desde criança. A última vez que sonhei com o fim do mundo foi há uns dois meses. No meu sonho eu estava andando na rua quando cinzas (como as cinzas do vulcão do Chile) começaram a cair do céu.
Meteoros cruzavam o céu e caíam na terra.
Meu filho não estava comigo e eu queria muito falar com ele para saber se ele estava bem, mas não tinha mais energia elétrica e os meios de comunicação já não funcionavam. Fiquei desesperada. Encontrei meu pai, e estávamos num ônibus tentando fugir, mas descobrimos que um maremoto estava se aproximando. Respirei fundo e fiquei tranquila. Me senti em paz, com a sensação de que tudo estava certo, que eu já tinha cumprido minha missão, que tinha dado todo amor que podia para o meu filho. Mas acordei do sonho com a respiração ofegante. Fiquei algum tempo acordada de madrugada e passei pelo menos uma semana com as sensações do "fim de mundo".
Essas sensações retornaram quando vi "Melancholia".
- O filme mantém uma tensão constante através da proximidade da câmera, da música,  das cenas lentas e das imagens carregadas de simbolismo.
- O menino lembra meu filho e também meu sobrinho.
A relação entre as irmãs Justine e Claire lembra a minha relação com minha irmã. Uma relação cheia de desafios, de cuidado, de amor incondicional. Muitas vezes já nos sentimos assim: sozinhas, e com a sensação que o mundo estava acabando.
Fui tocada profundamente.
- Foi difícil parar de chorar para sair do cinema.



Crítica: Em Melancolia, Lars von Trier discute rituais e medos na iminência do fim do mundo

04/08/2011 13h07 Thyago Gadelha
Difícil dizer se Lars von Trier realmente levaria a Palma de Ouro em Cannes este ano. Mais difícil ainda não culpar a polêmica de suas declarações (mal interpretadas pela imprensa, como de costume) sobre Nazismo. O fato é que Melancolia é um dos melhores filmes do cineasta e faz jus a sua descrição: um belo filme sobre o fim do mundo. Talvez, sem o alarde do título "persona non grata", seu filme tivesse maior êxito (embora a imprensa estrangeira tenha feito mais elogios do que críticas). A dica é esquecer a polêmica e mergulhar na fábula.

A abertura é de tirar o fôlego. Por 10 minutos - o tempo de duração do prólogo da ópera Tristão e Isolda, de Richard Wagner, que serve de trilha sonora - o espectador é tomado por várias cenas em câmera lenta, como se fossem pinturas em movimento. Justine (Kirsten Dunst) encara a câmera com um profundo olhar de tristeza enquanto pássaros mortos caem a sua volta. Claire (Charlotte Gainsbourg) carrega o filho Leo (Cameron Spurr) com dificuldade por um campo de golfe. Kirsten, vestida de noiva, aparece amarrada a fios de lã e depois sendo levada pela correnteza (referência clara à pintura Ophelia, de John Everett Millais). Um cavalo cai em silêncio. É o anúncio do fim do mundo.

Quando Melancolia foi anunciado, Lars declarou: "Nada de finais felizes". Estava sendo irônico, como de costume. À primeira vista, a extinção do mundo é algo completamente trágico e apavorante. Mas não para sua protagonista, Justine, vivida por Dunst em seu melhor papel. A parte 1, focada na melancólica personagem, mostra sua relação com os rituais de passagem de todo ser humano e a vontade de pertencer a um mundo "politicamente correto". Casar? Por que? Diante de toda a suntuosidade do castelo onde acontece a recepção, ela se vê perdida entre sorrisos e discursos familiares que não fazem o menor sentido. É obrigada a ser feliz. Está suscetível, frágil, com medo de dar um passo importante.

Dunst roubou a cena com suas tristes expressões em As Virgens Suicidas, há exatos 10 anos, mas caiu no óbvio hollywoodiano em atrocidades como Wimbledon - O Jogo do Amor e Um Louco Apaixonado, além, é claro, da trilogia Homem-Aranha. Em Melancolia, mostrou sua versatilidade e fez valer o prêmio de Melhor Atriz em Cannes. É dela o papel que seria de Penélope Cruz, a quem von Trier agradece nos créditos do filme. A ideia para o roteiro partiu de uma conversa com a atriz espanhola sobre a peça Les Bonnes, do dramaturgo francês Jean Genet, na qual duas empregadas matam a patroa. "Mas eu não faço nada que não tenha saído de mim", disse von Trier. "Então eu tentei escrever algo para ela. O filme é na verdade baseado nas duas empregadas que eu transformei nas duas irmãs do filme". A atriz desistiu do projeto para fazer... Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas (!).
Talvez, o que tenha feito Kirsten ganhar a Palma de Ouro e não Charlotte Gainsbourg, que também emociona com sua fragilidade exposta na segunda parte, sejam as nuances que deu à personagem desde o casamento até o pré-destinado fim do mundo. É dela o alterego de Von Trier. "Acho que Justine é muito parecida comigo. Ela é bastante baseada em mim e em minhas experiências com profecias de fim dos tempos e depressão". Justy, como é carinhosamente chamada pela irmã, é melancólia e não consegue encontrar seu lugar no mundo, logo, o casamento se torna um desastre. Na segunda parte, focada em Claire (Gainsbourg), ela está mergulhada na depressão. Nada faz sentido. Saber que o mundo vai chegar ao fim a deixa confortável. Não há nada a perder. A maneira como ela sai da fragilidade inicial para uma madura conformidade à iminência do apocalipse é que é o segredo do troféu.

Para fazer o contraponto, Lars concentrou a segunda parte em Claire, interpretada com maestria por Charlotte Gainsbourg (vencedora da Palma de Ouro de Melhor Atriz por outro filme do cineasta, Anticristo), que poderia dividir o prêmio com Dunst. Sua mudança de comportamento do casamento para a ameaça de colisão do planeta Melancholia é nítida. Prática e controladora, Claire vive todos os rituais e tem uma vida estável, um marido, um filho, os bens materiais, o que significa que tem mais a perder com o fim do mundo. É quando ela se dá conta da sua mortalidade. "Mas onde Leo vai crescer?", pergunta ela à irmã. Sua personagem, então, é reduzida à ansiedade, nervosismo e insegurança. Deposita toda sua fé no marido John, um milionário e astrônomo amador vivido por Kiefer Sutherland. Seus surtos de desespero são muito convincentes. Enquanto Justine é um espelho do cineasta, Claire é o retrato da reação da maioria das pessoas. Seu último pedido, que inclui uma brega taça de vinho, uma canção e alguns doces no pátio, é repreendido pela irmã.

Os outros personagens são meros coadjuvantes, mas estão todos bem - com destaque para os pais, o desligado Dexter (John Hurt) e a amarga Gaby (Charlotte Rampling), que roubam a cena no climão do casamento. Kiefer Sutherland surpreende como o marido racional, que encontra equilíbrio, fé e conforto na ciência (outros temas que incitam discussões no filme). Ele é o típico personagem masculino do cineasta. Seu destino, apesar de previsível e covarde, consegue emocionar (e assustar) o espectador. 

É a partir da perspectiva dele, das duas irmãs e Leo, que acompanhamos o suspense do fim do mundo. Não há notícias, não há o pânico coletivo, tão abusado em filmes hollywoodianos. Só um site com informações da rota de colisão acessado por Claire e Leo. O apocalipse de Lars é diferente, está na mente de seus personagens e na forma como reagem a ele. Enquanto em Anticristo seus atores são levados a extremos de nudez e violência, aqui ele segura toda a polêmica e contrapõe a moral das irmãs. É o psicológico em jogo. O destino de Justine é a catástrofe, mas é exatamente onde ela encontra o verdadeiro sentido. Pela primeira vez, von Trier entrega ao seu alterego feminino uma resposta positiva da tragédia. Uma visão romântica (no verdadeiro sentido da palavra, com referência ao Romantismo Alemão, influência declarada de Lars) da sua mortalidade. O final, arrebatador, vai ficar na memória de muita gente por dias, meses.

http://virgula.uol.com.br/ver/noticia/diversao/2011/08/04/281288-critica-em-melancolia-lars-von-trier-discute-rituais-e-medos-na-iminencia-do-fim-do-mundo